A 8 de maio de 2023 cumprem-se dez anos sobre a data de publicação da Lei de Bases da Economia Social (LBES). Trata-se de uma efeméride relevante para o sector da Economia Social, suas organizações, dirigentes e trabalhadores.

A importância da LBES é marcante por preencher, no ordenamento jurídico português, o espaço compreendido entre a Constituição da República, que consagra no seu art.º 82ª o setor cooperativo e social como um dos três setores de propriedade dos meios de produção, a par dos setores público e privado, e a legislação ordinária.

A Profª Deolinda Aparício Meira sintetiza, de forma clara e precisa, essa importância

consubstanciada no “reconhecimento institucional e jurídico explícito do setor da Economia Social, o que passa fundamentalmente: pela delimitação do âmbito subjetivo dos seus atores (…); pela identificação das formas de organização e representação da Economia Social; pela definição das linhas gerais das políticas de fomento da Economia Social; pela identificação das vias de relacionamento das entidades da Economia Social com os poderes públicos.”[1]

Julgo que é relevante dar a conhecer, de forma sintética, para que não esqueça, o percurso de gestação da lei.

Em 12 de fevereiro de 2011 a Assembleia da República assistiu à discussão do projeto de lei nº 514/XI que se referia à Lei de Bases de Economia Social. Apresentou-o a deputada Maria José Nogueira Pinto, independente nas listas do Partido Social Democrata (PSD), e foi muito vivo o debate, como o comprova a leitura do Diário da Assembleia da República, I Série, nº 51, de 12 de fevereiro. A iniciativa do PSD foi rejeitada com votos contra de todos os partidos, exceto PSD e CDS/PP.

Na mesma altura, o Bloco de Esquerda também apresentou um projeto sobre a mesma matéria, que não chegou a ser agendado para discussão em Plenário. Com o nº 518/XI, deu entrada a 9 de fevereiro, foi admitido a 14 de fevereiro e nessa data baixou para parecer à Comissão de Assuntos Económicos, Inovação e Energia. A relatora Maria Paula Cardoso do PSD, viu o seu parecer votado unanimemente a 15 de março, mas não chegou a subir de novo a Plenário.

Pouco mais de uma semana depois, a 24 de março, caía o governo do Partido Socialista (PS), abrindo caminho à realização de eleições, das quais sairia uma maioria absoluta dos partidos que votaram a favor da iniciativa titulada por Nogueira Pinto, que fora a sua última antes de falecer. Estavam assim reunidas as condições para retoma da iniciativa, aliás apresentada como querendo prestar homenagem à falecida deputada. Decorria o mês de setembro de 2011.

O Projeto de Lei nº 68/XII [2] deu entrada a 16 de setembro, tendo sido votado a 21 de setembro, com votos a favor do PSD e CDS/PP, a abstenção do PS, e votos contra de 3 deputados socialistas, do PCP, Verdes e Bloco de Esquerda. Baixou de seguida à Comissão, onde viria a “vegetar” por mais de um ano, período que, curiosamente, coincidiu com o Ano Internacional das Cooperativas – 2012.

Durante o Ano internacional esperar-se-iam medidas governamentais para as cooperativas e o setor de Economia Social que pudessem proporcionar aos seus atores agir em pé de igualdade com o setor privado em todos os domínios da atividade económica e social. A crise que cobriu todo este período explicará o que não pôde acontecer. As negociações entre grupos parlamentares, as audições dos parceiros e as pressões, terão sido muitas e impossíveis de relatar neste espaço.

O objetivo sempre foi o de fazer aprovar a iniciativa, mas quis-se fazê-lo com o maior consenso interpartidário possível. Até então, os grandes textos que sobre cooperativas haviam cruzado o Parlamento tinham sido aprovados unanimemente, e desta vez era ponto de honra que pelo menos isso fosse tentado. Se foi essa a principal razão do atraso da saída do texto da Comissão para subir a voto final no Plenário, então felizmente que se conseguiu manter a tradição.

Na fase final do processo tornou-se decisiva a influência do Secretário de Estado, Marco António Costa, do CIRIEC e da CASES, que permitiu que a versão final do projeto pudesse ser aprovada, por unanimidade, primeiro na X Comissão da AR, em 13 de março de 2013 e, após essa aprovação, a votação final global no plenário da AR que viria a consumar-se no dia 15 de março de 2013, cerca das 12,30 horas, igualmente por unanimidade.

A Lei de Bases da Economia Social obteve, pois, a unanimidade em todas as instâncias parlamentares o que lhe confere assinalável prestígio institucional e robustez política. Justifica- se e recomenda-se, passados dez anos, efetuar um debate/balanço critico acerca da concretização dos grandes objetivos que consagrou.

Nesse âmbito assinalo que, dez anos passados, as expetativas criadas com a aprovação da Lei foram, em muitos aspetos, cumpridas desde logo com a aprovação subsequente de legislação complementar abrangendo quase todas as áreas e “famílias” da economia social. Está ainda em curso processo de reforma da legislação complementar ao Código Cooperativo, em consulta às Confederações Cooperativas, criação da Base de Dados Permanente das Entidades da Economia Social, a apresentar no inicio de 2024, 4ª edição da Conta Satélite da Economia Social, com dados de 2019 e 2020, a apresentar em setembro de 2023, estudo aprofundado acerca da questão da “empresa social” e eventual proposta legislativa assim como, finalmente, o enfrentamento do desafio para a criação do Estatuto Fiscal da Economia Social.

Eduardo Graça- Presidente da CASES

[1] Deolinda Aparício Meira in “ A Lei de Bases da Economia Social portuguesa : do projeto ao texto final” – CIRIEC Espanha – Revista Jurídica nº 24/2013. http://ciriec-revistajuridica.es/wp-content/uploads/024-002.pdf

[2] In artigo “PROJETO DE LEI N.º 68/XII, relativo à Lei de Bases da Economia Social Portuguesa”, Prof. ª Deolinda Aparício Meira.

APM