Todos temos alguém na família ou no círculo de amigos que sofre e morre de cancro. Como indivíduos, famílias, comunidades e sociedade, prevenir é o caminho principal, para reduzir a segunda causa de morte em Portugal[1], também uma importante causa de morbilidade crónica e sofrimentos prolongados!

Por muito que tenhamos feito e evoluído, na investigação, conhecimento científico e tratamento, porque é que continua a aumentar o cancro no mundo[2]?

Em alguma coisa estamos a falhar… ! E isso exige uma reflexão sobre o nosso estilo de vida individual, sobre a nossa organização social, sobre o modelo económico dominante.

Podemos adotar ou mudar o estilo de vida individual, até certo ponto, como por exemplo, não fumar, fazer uma alimentação mais saudável (maior consumo de vegetais e frutas, menor consumo de açúcar, carne vermelha e gorduras saturadas), fazer exercício físico, evitar o consumo excessivo de álcool, evitar o peso em excesso e a obesidade.

“Dado que cerca de 95 % dos cancros podem ser considerados de «causa» ambiental”, faz sentido apostar na diminuição da exposição aos fatores de risco evitáveis ou modificáveis, com o objetivo de diminuir a ocorrência da doença[3].

Podemos seguir as recomendações da Direção Geral de Saúde[4] e do Código Europeu Contra o Cancro, que sublinha que uma boa prevenção exige que as ações individuais sejam apoiadas por políticas e medidas públicas[5], podemos estar melhor informados[6] e podemos adequar os nosso comportamentos a padrões de vida mais saudáveis.

Embora pareça que o cancro surge de forma súbita, sabemos que na altura em que se manifesta clinicamente, tem cinco, dez ou mais anos de evolução, o que cria uma oportunidade para a prevenção e o diagnóstico precoce por rastreios populacionais, designadamente: cancros da pele (por observação direta), do colo do útero (teste de Papanicolaou e pesquisa das estirpes cancerígenas do vírus do papiloma humano – HPV), da mama (mamografia), do cólon e reto (pesquisa de sangue oculto nas fezes e colonoscopia)[7].

Para nos ajudar a mudar comportamentos ou para rastreio e deteção precoce do cancro, podemos contar com o apoio do médico de família, da equipa de saúde familiar, do Serviço Nacional de Saúde, e, se necessário, complementarmente, por serviços dos setores privado e social.

Claro que a nossa ação individual está limitada por aquilo que sabemos e a que temos acesso, pelas condições de trabalho e de vida e por aquilo que é produzido e como é transformado e comercializado.

O que somos, o que sabemos e o que fazemos está intimamente ligado com a organização social e o sistema económico e financeiro. O cancro, a pandemia e outras ameaças no mundo de hoje, por outros vírus, por bactérias multiresistentes, por alterações climáticas, desflorestação, por profundas desigualdades, pela pobreza … não estará tudo ligado?

A propósito, “A COVID-19 exacerbou as iniquidades sociais em saúde atingindo desproporcionalmente os mais pobres e as populações mais vulneráveis. Pessoas com menos poder económico acumulam fatores de risco como tabaco, obesidade, maior exposição ao vírus nos contextos laboral (em atividades pouco adaptáveis ao regime de teletrabalho) e habitacional (por sobrelotação)”[8].

Neste dia mundial contra o cancro, em plena pandemia, em que se verifica maior atraso no diagnóstico de cancro e o aparecimento de casos mais graves, além de mantermos o rastreio e a deteção precoce do cancro, a palavra de ordem deverá ser: prevenir, prevenir, prevenir sempre!

Ou seja, todos os dias e por todas as formas, seja em relação ao cancro, seja à COVID-19.

E vale a pena recordar que o estilo de vida saudável que nos ajuda a prevenir o cancro, também nos ajuda a prevenir a primeira causa de mortalidade, que são as doenças cardíacas e vasculares, ajuda-nos a fortalecer as nossas defesas e ajuda-nos a enfrentar a pandemia devida ao SARS-CoV-2.

O século XXI pode ter tanto de desastroso, como de extraordinário, para a nossa saúde e bem-estar: o resultado também depende de cada um de nós!

Bernardo Vilas Boas, Médico de Família da Benéfica e Previdente – Associação Mutualista


[1] https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0008281&contexto=bd&selTab=tab2&xlang=pt (27929 óbitos por tumores malignos em 2018)

[2] https://nutrimento.pt/noticias/alimentacao-nutricao-atividade-fisica-cancro-relatorio/ | (o número de novos casos de cancro deverá aumentar 58%, passando para 24 milhões de pessoas no mundo em 2035)

[3] O Cancro, Manuel Sobrinho Simões, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2014, pg.88

[4] https://nutrimento.pt/noticias/o-cancro-receios-e-cuidados-alimentares-tambem-agora-em-linguagem-acessivel

[5] https://cancer-code-europe.iarc.fr/index.php/pt/

[6] http://www.ipatimup.pt/invivo/#documentarios

[7] O Cancro, Manuel Sobrinho Simões, Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2014, pg.97/98

[8] Raquel Duarte, Acta Med Port 2021 Feb;34(2):84-86 ▪ https://doi.org/10.20344/amp.15654

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