O primeiro passo para reconhecer a figura do cuidador informal está dado… mas, para os partidos que fizeram propostas neste sentido, tudo não passa de um “adiamento”. Dúvidas sobre verbas, prazos e direitos laborais permanecem. Este é um pequeno guião.
Texto: Mariana Lima Cunha
A novidade surgiu esta segunda-feira, mesmo no limite do prazo legal: o Governo já assinou uma portaria para começar a regulamentar o Estatuto do Cuidador Informal, que começará por se aplicar a um conjunto de 30 concelhos. Para o Executivo, uma boa notícia, dado que é mais um passo na concretização de uma lei há muito aguardada. Para os partidos que fizeram propostas neste sentido (e a Associação Nacional de Cuidadores Informais)… longe disso.
O problema, dizem estes partidos, em reação à portaria a que o Expresso teve acesso – e que foi anunciada pela ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, no Parlamento – é que não vem dar respostas concretas a uma série de questões práticas que preocupam as cerca de 800 mil pessoas nesta situação, “adiando” e empurrando várias das soluções para 2021, quando os projetos-piloto nos tais 30 concelhos estiverem concluídos.
Uma vez publicada a portaria – o primeiro de três passos que ainda serão dados este ano, disse a ministra, acrescentando que quem quiser requerer o estatuto de cuidador informal o poderá fazer a partir de 1 de julho -, quais são então essas dúvidas que continuam sem resposta?
OS PRAZOS
“O que falta por concretizar é tudo”, resume Cecília Meireles, líder parlamentar do CDS (um dos partidos que apresentaram projetos para o Estatuto do Cuidador Informal). Mas vamos por partes: o problema apontado pela centrista passa pelo adiamento dos prazos de uma lei em que “a parte burocrática está feita, a da realidade é que não”. “Só a partir de julho é que as pessoas poderão começar a registar-se, e depois arranca o projeto piloto. Até haver universalização, certamente não estamos a falar de um prazo até ao fim deste ano”, prevê. Para a centrista, a publicação desta portaria no limite do prazo resume-se a “um adiamento”.
O RECONHECIMENTO DO ESTATUTO
O problema é apontado pelo Bloco de Esquerda e tem várias implicações. Por um lado, porque a portaria estabelece enquanto universo de pessoas a quem se pode aplicar este estatuto: o das pessoas que já recebem subsídios por dependência e apoio a terceira pessoa. Ora o que o BE queria era alargar esse universo, para que ficasse mais perto de abranger as cerca de 800 mil que se estima que cuidem de alguém dependente. Mas, nesta portaria, os critérios para definir quem pode ficar abrangido pelo estatuto não parecem, pelo menos claramente, alargar. O cuidador terá de ser parente da pessoa dependente e morar com ela, o que significa que o direito não fica alargado a vizinhos, por exemplo.
OS DIREITOS LABORAIS
Uma vez que o subsídio só é atribuído a quem seja cuidador principal – ou seja, quem não trabalhe e se dedique inteiramente a esta função -, a lei previa que ficassem definidos direitos laborais (como acesso a licenças, folgas, etc) para quem continua a trabalhar e, mesmo assim, cuida de alguém dependente.
O problema é que isso não fica, pelo menos totalmente, coberto: o estatuto de trabalhador-estudante e os direitos que têm a ver com a parentalidade, por exemplo, estão assegurados, mas os direitos relacionados com o descanso ficam dependentes das regras que já constam do Código do Trabalho e do que os trabalhadores combinarem com os patrões (isto “enquanto se procede à identificação das medidas legislativas necessárias ao reforço da proteção laboral dos cuidadores informais não principais e à correspondente aprovação de legislação específica”). Igualmente por conhecer fica a forma como esse “apoio ao descanso” será posto em prática, lembra José Soeiro: é preciso perceber como se ajudará esses cuidadores a descansar, por exemplo garantindo apoio domiciliário ou internamento para as pessoas dependentes durante os dias de férias.
AS VERBAS
No Orçamento ficaram inscritos 30 milhões de euros, mas, nota o deputado bloquista, esse é também o valor previsto especificamente para o tal subsídio a pagar a quem é cuidador a tempo inteiro (um dado confirmado pela ministra no Parlamento). Falta então definir como será discriminado e distribuído o valor em função das outras necessidades (como se explicava no ponto anterior, equipas de apoio domiciliários, por exemplo).
O PROJETO PILOTO
Por perceber está também quais são esses 30 concelhos a que se aplicará o projeto piloto. Será a partir dessa experiência que o estatuto se alargará ao resto do país.
Fonte: Expresso